sexta-feira, 9 de junho de 2017

O Xará, Jhumpa Lahiri e receita de pakora

Resenha de livro da Tag que estamos fazendo! Sim, finalmente vai sair uma, rs. Primeiro toque que eu quero dar sobre esse livro é: se você tiver a oportunidade de ler o conto O Capote, do Nikolai Gógol antes, LEIA. Ele veio como mimo no kit da tag de fevereiro <3 e super tem tudo a ver mesmo com o livro - além de ser uma leitura bem curiosa, com uma mistura de crítica social e fantasia. Also, o livro dá spoilers do conto, então melhor ler antes, se você se importar com isso. Agora vamos ao O Xará.


O Xará e O Capote, kit de fevereiro da tag
(acompanhados de pakoras indianas). Lido de 19-02 a 05-03-17.

Primeiras impressões / sentimento


Esse livro foi a maior viagem! Brincadeirinha com o tema do livro que estamos fazendo, rs. Ok, recomeçando… Esse livro foi uma experiência bem diferente pra mim. Primeiro porque, como eu já esperava dos livros da TAG, eu não o escolheria pra ler por conta própria. Então é aquilo, né? Experiência totalmente nova. Fiquei muito feliz por ter sido apresentada a Jhumpa Lahiri e queria muito ler mais livros dela - ainda não tive oportunidade ($$$) de comprar seu livro de contos, Intérprete de Males -, que jeito de escrever maravilhoso. Confesso que fiquei bastante extasiada enquanto lia, porque o livro tem um jeito de te envolver que é muito incrível. A maneira como ele é escrito vai fazendo isso com você. Você se sente vivendo aquelas coisas, todo um sentimento de: não me encaixo, mas sigo tentando. Vivo aqui, vivo lá, mas não pertenço a lugar algum. E aí você vai se apegando aos personagens porque eles “são como você” de certa forma - não são, mas poderiam ser. Enfim, me entreguei e aprendi muito.




Sobre o livro


O Xará é um romance que fala sobre uma indiana que casa e vai para a América com o marido e então precisa aprender a se adaptar a nova cultura. Eles têm filhos e enfrentam a dificuldade de manter a cultura indiana bengali presente nas suas criações, enquanto os pequenos crescem vivenciando a cultura americana e entram em conflito com a diferença desta para a educação de casa. Isso acontece principalmente com Gógol, que possui esse nome em homenagem ao escritor russo Nikolai Gógol - escritor que impactou fortemente a vida de seu pai com o conto O Capote. Gógol recebe esse nome diferente (que não é nem indiano, nem americano) por eles não terem recebido a tempo (nem nunca) a sugestão de nome dada por sua avó, o qual seria adequado a cultura deles. Essa questão do nome e os conflitos entre culturas é o ponto central do livro.

O livro me proporcionou um aprendizado único sobre a cultura indiana bengali, já conhecia um pouco da indiana, mas não certas particularidades. Uma delas é que os bengali possuem dois nomes: nome de criação, nome bom. Um pra se usar em família, outro pra se usar na sociedade, que é o que causa toda a crise de identidade no Gógol no decorrer da história. O livro também mostra muito dos pratos típicos da cultura deles, sempre envolvidos em eventos com muita comida - e eu aproveitei pra vivenciar um pouco junto, acompanhando a leitura com minhas pakoras que vocês podem conferir na foto que ilustra o post. Durante a leitura estranhei eles comerem carne, mas pelo visto só não comem carne de vaca mesmo - que, como se sabe, é um animal considerado sagrado na Índia. A questão do casamento arranjado também já é bem conhecida popularmente, mas “ver de perto” como seria essa situação foi bem diferente. O livro tem isso de nos aproximar dos acontecimentos e principalmente dos sentimentos dos personagens. Você se envolve e cria empatia por diferentes pontos de vista. Eventualmente a família também viaja para visitar a parte da família que ficou na Índia, e aí enquanto os pais ficam aliviados por "estarem em casa", os filhos sofrem por não estarem acostumados a viver essa cultura. E é dessa maneira que o livro segue lidando com esse choque de culturas, que são tão diferentes - quase opostas - e nesse cenário cada um lida com suas fugas e tentativas de se encontrar. Cada um com suas diferentes formas de viver. 

Toda essa busca por uma identidade envolve o pacote completo: viagens, nomes, livros, conflitos culturais, família, vida. Saber que o livro é baseado em alguns aspectos da vida da própria autora tornou tudo muito mais emocionante. Você realmente tá ali lendo e imaginando os personagens vivenciando situações "reais", e se torna íntimo deles. Apesar de apresentar culturas diferentes da nossa, o livro é muito relacionável, porque quem é que não tem dúvidas sobre si? Quem sou eu? Era aqui mesmo que eu deveria estar? Como faço pra me encaixar no mundo? 

Destaco aqui um trecho que me identifiquei durante a leitura:

"Agora são três da tarde, a força do sol aos poucos se esvai do céu. É o tipo de dia que parece terminar minutos depois que começa, embargando as intenções de Ashima de passá-lo de forma produtiva, distraída pela inevitabilidade do anoitecer."

Destacando apenas um porém, mas que pode ser questão de gosto pessoal: queria ver mais das personagens femininas no livro. O livro começa com a Ashima, mãe do Gógol, o parindo. Foi muito interessante - até mesmo angustiante - acompanhar seus sentimentos naquele momento. E aos pouquinhos, conhecendo seu passado, ver como foi conhecer o marido e casar com um “desconhecido”. E mesmo com a família formada e estabelecida, estar acostumada a não receber um “eu te amo”, porque eles não se apaixonaram antes. A troca de carinhos não é como estamos acostumados, com a demonstração de afeto em público tão natural de uma cultura mais americanizada. Dá muita vontade de saber como seria a história tendo ela como protagonista. E algumas outras figuras femininas que vão aparecendo na vida do Gógol. Até mesmo sua irmã, que fica mais em segundo plano. Mesmo assim, não dá pra negar que - considerando o foco da história - o livro traz um bom aprofundamento dos personagens.

De maneira geral o livro se desenvolve muito bem, mas de forma sucinta. Me fez até estranhar alguns dos saltos que a narrativa dá durante o decorrer da história. Muitas vezes eu queria saber mais do que estava acontecendo naquele cenário, naquele momento, e precisava me acalmar pra continuar. É um jeito estranho de te prender, mas que funciona. O livro sempre retorna à “lacuna” que deixa depois, de uma forma mais centrada. Os clímax são um pouco diferentes por causa disso, mas não diminui de forma alguma a vontade de continuar lendo. Senti que eles eram interrompidos só pra continuar depois de forma mais sólida. 

O livro tem uma escrita muito fluida, uma maneira de envolver várias coisas ao mesmo tempo, mostrando a reflexão de diferentes personagens num mesmo capítulo, mas alterna de um assunto a outro sem você sentir grandes impactos. Percebi tudo isso logo no primeiro capítulo, o que serviu como motivação inicial já que estava tendo alguns problemas com leituras muito densas ou complexas. Foi realmente um alívio, dá pra dizer que o livro é bem aconchegante, e é desses que deixa saudades quando termina - principalmente considerando que ele tem um final super nostálgico e gostoso, que foi muito emocionante e reconfortante pra mim. Super recomendo a leitura. =)

Obs.: Confira após a seção com spoilers a seguir - que você precisa selecionar o texto pra ler, pra não estragar a leitura de ninguém - a seção de curiosidades! Lá você vai encontrar a minha receita de pakora, feita para acompanhar a minha leitura. 

Além da premissa (CONTÉM SPOILERS) *selecione o texto para ler

Apesar do foco do livro ser o filho deles, Gógol, e toda a crise do nome que não foi escolhido da maneira tradicional bengali que se sucede com a crise dele crescido não se identificar com o nome; gostei de acompanhar mais as relações que ele tinha no decorrer da vida. No começo fiquei com a impressão de que a partir de certo ponto tudo se passava de maneira um tanto fácil pra ele, como sair de um relacionamento sem muitas crises e logo entrar em outro. A vida não é muito assim, pelo menos tá bem longe de ser a minha realidade rs

Só mais para o final do livro, quando as coisas já estavam se assentando, é que surgiu minha personagem favorita. A mulher com quem ele casou. Mulher forte, seguia carreira acadêmica estudando literatura francesa - o que a levou a ter suas próprias viagens. Mais uma vez, cada personagem com suas próprias fugas, ou seriam seus encontros?. Ela aceitou compartilhar sua vida com ele por conta de uma afinidade inicial e pressão da família, por ambos serem bengali, mas não abandonou sua individualidade. E apesar de eu não concordar com seu comportamento, nesse caso, quando se sentiu presa ou incomodada com a vida que levava com o Gógol, acabou tendo um caso. Acredito que o caso foi, mais uma vez, uma forma de fuga. Uma fuga do que por toda vida atormentou tanto ela, quanto ele: a criação que os pais impunham a eles.

Por fim, o livro termina com um clima de nostalgia e reencontro consigo mesmo. Gógol se reencontra com o primeiro presente que seu pai te deu, o livro de contos do Nikolai Gógol. Agora que ele já não tinha seu pai (que morreu) e não ia mais ter a mãe por perto (que decidiu voltar pro seu país de criação). Encontrar esse livro trouxe sentimentos de “não estou sozinho”, “aceito quem eu sou”. Vale um destaque também para a mãe de Gógol, Ashima, que durante todo o livro segue aprendendo a lidar com um mundo que é tão diferente do seu. Posteriormente ainda aprende a viver sozinha - depois da ida do seu marido para trabalhar por um tempo num lugar mais distante, e que acaba morrendo pouco tempo depois, chocando a todos, inclusive a mim (!) -, e por fim decide viver à sua maneira, meio cá, meio lá. Ela demonstra um desapego e uma determinação que são muito inspiradores. 

Obrigada, Jhumpa, pelo belíssimo livro. E à TAG - Experiências Literárias, pela oportunidade que me deram de o conhecer. <3

Curiosidades


A pedidos, resolvi compartilhar com vocês a receitinha que fiz para acompanhar a minha leitura:

Pakora

Ingredientes

200g de farinha de trigo
100g de fubá de milho granulado médio
250ml de água filtrada
curry, canela em pó e sal a gosto
Verduras ou legumes de sua preferência (por ex. abobrinha, brócolis...)
Óleo ou ghee (manteiga clarificada) para fritar

Modo de preparo

Misture todos os ingredientes secos em um recipiente. Em seguida vá acrescentando a água e mexa até que a massa fique homogênea (essa massa você pode guardar na geladeira para fazer outras vezes).

Separe as verduras ou legumes que vai utilizar (podem ser raminhos de brócolis cozido, abobrinha crua cortada em rodelas, funciona muito bem também com banana em rodelas, se você gosta de misturar doce com salgado).

Mergulhe com o auxílio de uma colher uma pequena porção de verduras ou fatias de legumes (uma fatia de cada vez) na massa, como se estivesse empanando. 

Ainda com a ajuda da colher, pegue a porção mergulhada e completamente coberta pela massa e coloque pra fritar em uma frigideira com óleo ou ghee quente. Frite em fogo médio a baixo até dourar os dois lados.

Escorra o excesso de gordura e sirva quente.

Obs.: A pakora é muito boa pra comer acompanhando as refeições principais, mas também cai muito bem como tiragosto. A opção de fritura no ghee deixa a receita mais saudável e crocante, caso prefira.

Espero que gostem! Comentem os resultados. ^^

2 comentários:

  1. Fiquei muito curiosa para ler! Adoro romances sobre a cultura indiana, mas faz tempo que não leio um.
    Faltou a receitinha da pakora hein ;) fomeee
    Uma dica de série, que me lembrou muito o livro pela resenha, é Master of None. Essa série é maravilhosa e o personagem principal é filho de indianos migrantes pra NY que também é a vida real do ator.

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    1. Fico muito feliz em saber! Ah, segui a sua dica e editei o post com a receita. =D Vai ter muita pakora sim, pakora para todos! rs Obrigada pela dica de série, com certeza vou conferir depois. Beijo, moça!

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