terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Hibisco Roxo, Folia Literária e Leia Mulheres

Olá, pessoas! Acabei me afundando aqui nas minhas leituras pra maratona (morrendo de medo de não dar conta, mas já adianto que dei conta sim!) e fiquei meio travada/atrasada na escrita de novo. Só que antes tarde do que nunca, né? Cá estou eu pra falar um pouquinho da minha primeira leitura da Folia Literária 2018, que incluí na categoria Rainha de Bateria (livro com personagem feminina de destaque).

Fig. 1 Hibisco Roxo, Chimamanda Ngozi Adichie. Lido de 04 a 10-02-2018.

Já estava nos meus planos ler esse livro há muito tempo, por esse motivo, ainda no fim do ano passado eu recomendei a leitura dele ao clube Leia Mulheres da minha cidade. A sugestão foi acatada e me organizei para lê-lo. Inclusive, consegui fazer com que até o meu namorado começasse a ler junto comigo (fiquei bem feliz, até compartilhamos o mesmo livro durante a leitura - que, no caso, é dele - rsr) para que pudéssemos ir ao encontro juntos. O encontro Leia Mulheres Campos estava inicialmente marcado para acontecer em fevereiro, mas a data foi alterada para 24/03. Se você é de Campos, fique atento! (Clique aqui para confirmar sua presença no evento e ficar por dentro das novidades). 

Nesse meio tempo, surgiu a maratona Folia Literária 2018 e eu decidi incluir o livro em uma das categorias, como mencionei acima. Hibisco Roxo foi, então, o primeiro livro lido na maratona e agora vou falar um pouquinho dele e do que achei.

Primeiras impressões / sentimento

Escolhi esse livro para ler já conhecendo todo o hype, sabendo de opiniões de algumas pessoas que já tinham me falado que era emocionante, forte, que causava ressaca literária (porque a gente fica paralisado refletindo etc), mas mesmo assim escolhi ele pra ser a minha primeira leitura de uma maratona literária. Sabendo disso tudo, tentei fazer uma leitura que fosse diferente de como eu costumo ler (na verdade eu to tentando fazer dessa forma pra maioria dos livros que tenho lido, me distanciar do livro tem facilitado o andamento das minhas leituras porque costumo ficar bem ansiosa lendo tudo). Costumo (costumava?) ler procurando me identificar pra valer, buscando o que aquele livro tem a dizer diretamente para mim, procurando quotes que tenham a ver comigo ou com a minha vida (procurei quotes ainda assim, mas de maneira mais geral), mas aqui eu sabia que não podia ser tão assim. Eu li e tentei encarar como um relato mesmo. Uma história que eu estava conhecendo, não estava tentando me procurar ali no meio, porque eu já sabia desde o começo que a história não seria sobre mim, uma vez que sou uma mulher branca. Mas mesmo tentando fazer essa separação, eu me senti um pouquinho como a protagonista, Kambili, sim, às vezes. Não tem como. Achei a escrita  da Chimamanda muito cativante, a leitura é muito simples (apesar do assunto ser denso) e torna tudo bem alcançável. Os sentimentos descritos, as emoções que a Kambili teve passando por tudo que passou me foram muito familiares (apesar de eu nunca ter vivido nada parecido - ou no mesmo nível - que ela viveu). Era algo que beirava crises de ansiedade, talvez. Um sufoco, um aprisionamento. Um querer ser aceita, ter aprovação, fazer direito. Foi aí que me dei conta de que somos diferentes, sim (e é muito importante ressaltar que diferenças existem e precisam ser respeitadas), mas também somos parecidos em algum nível. E aí vem a empatia. Não precisamos ser iguais pra sentir empatia pelo outro. Pra sofrer junto. Pra desejar o bem. Pra se impactar. Dessa forma, me vi envolvida com a história.

Sobre o livro

Sinopse
"Um romance que mistura autobiografia e ficção, Chimamanda Ngozi Adichie traça, de forma sensível e surpreendente, um panorama social, político e religioso da Nigéria atual.
Protagonista e narradora de Hibisco roxo, a adolescente Kambili mostra como a religiosidade extremamente “branca” e católica de seu pai, Eugene, famoso industrial nigeriano, inferniza e destrói lentamente a vida de toda a família. O pavor de Eugene às tradições primitivas do povo nigeriano é tamanho que ele chega a rejeitar o pai, contador de histórias encantador, e a irmã, professora universitária esclarecida, temendo o inferno. Mas, apesar de sua clara violência e opressão, Eugene é benfeitor dos pobres e, estranhamente, apoia o jornal mais progressista do país.
Enquanto narra as aventuras e desventuras de Kambili e de sua família, o romance também apresenta um retrato contundente e original da Nigéria atual, mostrando os remanescentes invasivos da colonização tanto no próprio país, como, certamente, também no resto do continente."

Comecei a leitura e não consegui deixar de comparar Hibisco roxo com As alegrias da maternidade de Buchi Emecheta, livro que a própria Chimamanda indicou como curadora da TAG em outubro do ano passado. Enquanto As alegrias da maternidade mostrou a cultura igbo nigeriana tradicional e o início da colonização da Nigéria pelos brancos; Hibisco roxo foi um livro mais contemporâneo. Pra mim, ambas as leituras foram extremamente interessantes e foi muito curioso ir comparando as diferenças e a evolução cultural, principalmente no que diz respeito a parte religiosa. Boa parte do que a gente vê em Hibisco roxo reflete sobre como a religião católica trazida pelos brancos afetou de diferentes formas aquelas pessoas: uns se tornando mais extremos e tiranos,  enquanto outros conseguiam ser mais maleáveis, mente aberta e respeitosos com relação à cultura ancestral.

Hibisco roxo é todo narrado por Kambili, filha de uma família nigeriana rica, mas que sofre (assim como também sofrem sua mãe - Beatrice - e seu irmão - Jaja) com os abusos de um pai tirano (Eugene), católico fervoroso e defensor da cultura dos brancos. Qualquer desvio de postura por qualquer um da família era encarado como pecado e severamente castigado. Por conta disso, não existia riso na casa, viviam em clima de medo, aprisionamento, angústia, necessidade de aprovação e por aí vai. Todos esses sentimentos foram extremamente bem descritos, levando a gente a sentir as dores de Kambili, a ver as páginas do livro borradas, quase da mesma forma com que ela via sangue em seus livros didáticos.

A história se inicia, na verdade, com um desvio de comportamento de Jaja, seu irmão. E com o desenvolvimento da história e o decorrer dos acontecimentos, vamos entendendo melhor o contexto de tudo e como eles chegaram ao ponto disso acontecer. Aos poucos vamos conhecendo  também membros mais distantes da família, como a tia Ifeoma e seus hibiscos roxos, tão belos e raros. Rebeldes. Livres.


"A rebeldia de Jaja era como os hibiscos roxos experimentais de tia Ifeoma: rara, com o cheiro suave da liberdade, (...). Liberdade para ser, para fazer." p. 20
"A rebeldia é como a maconha. Não é ruim se for usada direito." p. 156

A tia Ifeoma foi uma personagem incrível. Era professora universitária em Nsukka, viúva, independente e com filhos pra criar, mostrava uma força sem igual para lidar com a vida, questões sociais e enfrentar tudo o que achava necessário. Nem preciso dizer que foi minha personagem favorita, né? Um exemplo de mulher guerreira.

"Às vezes a vida começa quando o casamento acaba." p. 83
"Eu observava cada movimento dela sem conseguir desviar os olhos. Era por causa da coragem que ela transmitia, evidente em seus gestos enquanto falava." p. 85


Como seria de se esperar, Eugene não gostava muito da ideia de deixar os filhos sozinhos com a tia e rejeitava fortemente a ideia de deixá-los além do mínimo necessário com seu pai, Papa-Nnukwu, que ele considerava pagão. Dessa forma, os filhos poderiam apenas fazer visitas programadas a ele, uma vez por ano perto do natal, quando eles iam passar as férias em Enugu. Nunca nada além disso. O pensamento de Eugene era tão forte que impregnava o dos filhos, e quando em contato com outras pessoas, aquelas questões geravam conflitos internos:

"Naquele dia eu também examinara Papa-Nnukwu, desviando o olhar quando ele me encarava, procurando por um sinal que marcasse sua diferença, sua condição de pessoa ímpia. Não vi nenhum, mas estava certa de que eles deviam estar em algum lugar. Tinham de estar." p. 71

Mas o desenvolvimento da história aos poucos foi trazendo uma quebra tanto das regras de casa, quanto de alguns desses pensamentos engessados. Graças ao contato que as crianças conseguiram ter com sua tia Ifeoma e seus primos, que ocorreu quando - com muito custo - Eugene deixou que os visitassem em Nsukka (desde que continuassem cumprindo suas regras, um horário rígido de atividades e estudos e não tivessem contato com pagãos), aos pouquinhos tudo passou a ser questionado e revisto. Extremos estavam sendo postos na vida daquelas crianças e lidar com isso gerou todo um processo, que a gente visualiza junto com Kambili, que se mostrava ansiosa diante de tudo aquilo que aprendeu ser "errado". Nada para ela era fácil, nem mesmo sorrir.

"Eu me aproximei da parede enegrecida pela fumaça do querosene, querendo entrar nela e desaparecer." p. 132
"Ela parecia tão feliz, tão em paz, e eu me perguntei como alguém perto de mim podia se sentir assim, quando havia fogo líquido me queimando por dentro, quando o medo misturado à esperança se agarrava nos meus calcanhares." p. 185
A vida em Nsukka se mostrou bem diferente do que Kambili e Jaja estavam acostumados, tanto no que dizia respeito a diferença financeira quanto a diferença no estilo de vida e liberdade. Tia Ifeoma vivia em uma casa humilde, mas extremamente feliz. Além da tia e primos, Kambili e Jaja também fizeram amizade com o padre Amadi, que se mostrou um personagem extremamente cativante. Era um padre menos tradicional, que era amigo da família e participava de vários projetos sociais. Kambili se afeiçoou a ele e o padre conseguiu quebrar as barreiras que a menina criava por medo, trouxe corridas ao ar livre, risos e muitas conversas, sendo muito importante pro desenvolvimento da personagem.

"(...) às vezes o que era diferente era tão bom quanto o que era familiar." p. 177

A história também traz muitas questões sociais, como, por exemplo, coisas relacionadas a ditadura, greves por conta de falta de verba tanto para a educação quanto para a área da saúde, toda uma dificuldade enfrentada pelos nigerianos de permanecer num país que parecia decadente, politicamente falando. Muitas situações relacionáveis com o que já passamos e estamos passando no nosso país, então foi muito interessante e preocupante de ler.

O livro também trouxe muitas questões religiosas e críticas de como a religião é encarada pelas pessoas. Achei bem curiosa e interessante, respectivamente, as seguintes passagens:

"E eu perguntei: "Quem é essa pessoa que foi morta, essa que fica pendurada na madeira do lado de fora da missão?". Eles disseram que era o filho, mas que o filho e o pai eram iguais. Foi então que eu tive certeza de que o branco era louco." p. 93
"(...) já está mais do que na hora de Nossa Senhora aparecer na África. Você não acha estranho ela só aparecer na Europa? Afinal de contas ela era do Oriente Médio." p. 148

Por fim, acredito que o livro é muito rico em conteúdo cultural e no retrato político-social-religioso que ele mostra. Mas ele não para aí, é um livro que vai além e mostra pessoas em transformação. É como se o livro apontasse para dois extremos e mostrasse como é lidar com cada um deles. Mostra injustiças das mais diversas formas; mostra como é estar preso em relações abusivas de poder; como é estar preso em uma crença que, quando vista de forma extrema, te faz fazer coisas terríveis em nome de um Deus; mas também mostra que as coisas podem ser mais amenas, mais livres, e que o riso é possível. Mostra como é começar a encarar a vida de uma outra forma, como é se desvencilhar de questões/regras que você achava imutáveis, impossíveis. Mostra como é ganhar e como é perder. Mas não necessariamente perder também. Enfim, mostra como é a vida.

"As novas chuvas vão cair em breve." p. 321

Recomendo MUITÍSSIMO. Mas lembra de ir com calma e respirar, porque vai ser marcante.

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